Etnocentrismo
Plano de Aula: Compreendendo o Etnocentrismo
Ao final desta aula, os estudantes serão capazes de:
a) Definir etnocentrismo com precisão conceitual.
b) Identificar manifestações de etnocentrismo em contextos históricos e cotidianos.
c) Analisar criticamente os impactos do etnocentrismo nas relações sociais.
d) Contrastar etnocentrismo com relativismo cultural.
Etnocentrismo é um conceito central na Antropologia, cunhado por William Graham Sumner (1906), que descreve a tendência universal.
- Enxergar o próprio grupo (étnico, nacional, cultural) como o centro de referência para julgar outras culturas.
- Considerar seus valores, crenças e comportamentos como superiores, corretos ou “naturais” (auto-valorização).
- Avaliar outras culturas através dessa lente própria, resultando em desvalorização, estranhamento ou distorção do “outro” (hetero-desprezo).
- Heteroidentificação é um procedimento utilizado no contexto de políticas afirmativas (como cotas raciais) para verificar a autodeclaração étnico-racial de uma pessoa, com base em critérios fenotípicos e sociais. Consiste na avaliação realizada por uma comissão multidisciplinar para confirmar se o candidato pertence ao grupo racial declarado (negro, pardo ou indígena).
O etnocentrismo opera pela universalização do particular (SUMNER, 2011, p. 89), enquanto o relativismo cultural exige que compreendamos os sistemas simbólicos em sua lógica interna (BOAS, 2010, p. 47).
“O etnocentrismo é a arma perfeita do colonialismo: primeiro inventa a inferioridade cultural, depois naturaliza a violência sobre os corpos que marca como ‘outros'” (GONZALEZ, 2020, p. 78).
Mecanismos Chave:
- Universalização do Particular: Transformar costumes locais em padrões universais (“Aqui é assim, logo é o certo“).
- Hierarquização Cultural: Criar escalas de “evolução” ou “civilização” com a própria cultura no topo.
- Naturalização: Acreditar que os próprios hábitos são inatos, não construídos culturalmente.
A frase revela a raiz do etnocentrismo: confundir cultura (mutável, aprendida) com natureza (imutável, biológica). Reconhecer que hábitos são construções culturais é o primeiro passo para superar visões preconceituosas e celebrar a diversidade humana.
“Hábitos”:
Refere-se a práticas cotidianas (alimentação, vestuário, gestos, normas de higiene), valores morais (conceitos de certo/errado) ou códigos sociais (formas de cumprimento, organização familiar).
Exemplo:
Usar talheres para comer é um hábito cultural ocidental.
Comer com as mãos é um hábito cultural comum em partes da Ásia e África.
“Inatos”:
Supor que esses hábitos são:
Biológicos: “Nascemos sabendo que isso é o correto”.
Universais: “Todos os seres humanos naturalmente agiriam assim”.
Imutáveis: “Isso sempre foi e sempre será o normal”.
Exemplo:
Achar que a língua materna é “mais lógica” ou “mais fácil” que outras por razões inatas (e não porque foi aprendida na infância).
“Não construídos culturalmente”:
Ignorar que tais hábitos são:
Aprendidos: Transmitidos por socialização familiar/escolar.
Arbitrários: Resultado de histórias locais (não leis naturais).
Relativos: Variam conforme o contexto geográfico, histórico e social.
Exemplo:
O silêncio em elevadores é uma norma cultural urbana, não um instinto humano universal.
Por que isso é problemático?
Segundo Claude Lévi-Strauss (Raça e História, 2019):
Essa crença leva a julgar outras culturas como “erradas” ou “primitivas”.
Naturaliza diferenças: Transforma diversidade em hierarquia (“nós somos evoluídos; eles são atrasados”).
Para Pierre Bourdieu (A Distinção, 2007):
É uma forma de violência simbólica: impor padrões culturais como verdades absolutas.
O relativismo cultural (Franz Boas):
“Compreender que nossas verdades são tão culturalmente construídas quanto as dos outros”.
Manifestações:
- Históricas: Colonialismo (“missão civilizatória”), imperialismo cultural, estereótipos racistas.
- Cotidianas: Piadas preconceituosas, estranhamento de hábitos alimentares/vestimentas, desqualificação de práticas religiosas ou familiares diferentes.
Crítica Antropológica:
A Antropologia combate o etnocentrismo através do relativismo cultural (Franz Boas), que propõe:
- Compreender cada cultura em seus próprios termos e contexto histórico.
- Suspender juízos de valor baseados na própria cultura.
- Reconhecer a diversidade cultural como inerente à humanidade, sem hierarquias pré-estabelecidas.
Impactos Negativos:
- Discriminação, xenofobia, racismo.
- Conflitos intergrupais, genocídios.
- Invisibilização de saberes e identidades.
- Obstáculo ao diálogo intercultural e à cooperação global.
Resumo Conceitual
1. Gênese e Definição
O etnocentrismo, sistematizado por William G. Sumner (Folkways, 1906), define-se como a universalização da própria cultura como métrica axiológica. Opera mediante uma dualidade estrutural: endogrupo glorificado (“nós“) versus exogrupos inferiorizados (“outros“). Essa lógica converte diferenças culturais em hierarquias naturais (SUMNER, 2011, p. 62), obliterando a alteridade.
2. Mecanismos Psicológicos
Como assinala Roque de Laraia (2018), o fenômeno origina-se de vieses cognitivos inerentes à socialização: a familiaridade com os próprios códigos gera estranhamento do diverso. Lévi-Strauss (Raça e História, 1952) acrescenta que tal processo reifica identidades, transformando contingências históricas em essências imutáveis. É, portanto, uma armadilha epistemológica.
3. Colonialidade e Poder
A crítica pós-colonial, como em Quijano (2000), revela que o etnocentrismo é instrumento de dominação: justificou a “missão civilizatória” europeia mediante a invenção da racialização (MUNANGA, 2019). Darcy Ribeiro (2022) demonstra como, no Brasil, serviu para negar humanidade a indígenas e negros, legitimando genocídios e epistemicídios.
4. Manifestações Contemporâneas
Na era global, assume novas roupagens: imperialismo cultural (disseminação de padrões ocidentais como universais) e xenofobia neoliberal (migrante como “ameaça”). Como alerta Boaventura Sousa Santos (2018), persiste na epistemologia das ciências sociais, que marginaliza saberes não-europeus. Exemplo: desqualificação de medicina indígena como “crendice”.
5. Crítica Antropológica Clássica
Franz Boas (Antropologia Cultural, 1940) cunhou o relativismo cultural como antítese metodológica: cada cultura deve ser analisada em sua própria lógica interna. Malinowski (Argonautas, 1922) comprovou que instituições “primitivas” (como Kula) possuem racionalidade complexa. Ambos desmontaram o mito da superioridade ocidental.
6. Limites do Relativismo
Clifford Geertz (A Interpretação das Culturas, 1978) problematiza: como conciliar respeito à diferença com violações de direitos humanos? Nancy Scheper-Hughes (1998) defende um relativismo crítico: rejeitar julgamentos etnocêntricos, mas não a denúncia de sofrimentos evitáveis (ex: mutilações genitais). Ética e cultura tensionam-se aqui.
7. Descolonização do olhar e feminismo
Lélia Gonzalez (1988) demonstra que o etnocentrismo opera interseccionalmente: além de hierarquizar culturas, racializa e generifica corpos. Em Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, articula como mulheres negras sofrem dupla marginalização pelo padrão eurocêntrico. Propõe o feminismo descolonial como ruptura epistemológica, deslocando o centro do poder para vozes subalternizadas. Essa perspectiva exige reconhecer que toda cultura é campo de lutas por significação (GONZALEZ, 2020, p. 89).
Atividade
- Em grupos: Analisar trechos de relatos históricos (ex: cartas jesuíticas, discursos colonialistas) ou notícias atuais identificando etnocentrismo.
- Debate guiado: “Quais as consequências dessa visão?“
- Atividade “Espelho Cultural”: Os alunos listam 3 hábitos da própria cultura que julgam “normais” e imaginam como um estrangeiro poderia interpretá-los de forma etnocêntrica.
- Discussão: “Como evitar o etnocentrismo no dia a dia?“
Referências
BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Tradução: Celso Castro. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Tradução: Daniela Kern; Guilherme J. F. Teixeira. Porto Alegre: Zouk, 2017.
CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Tradução: Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: LTC, 2017.
GONZALEZ, Lélia. “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. In: HOLLANDA, H. B. (Org.). Pensamento Feminista Brasileiro. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020. p. 75-94.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 26. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2018.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. Tradução: Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2019.
MALINOWSKI, Bronisław. Argonautas do Pacífico Ocidental. Tradução: Anton P. Carr et al. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. 4. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”. In: LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 227-278.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 3. ed. São Paulo: Global Editora, 2022.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
SCHEPER-HUGHES, Nancy. A morte sem choro: violência cotidiana no Brasil. Tradução: Tânia Pellegrini. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014.
SUMNER, William Graham. Folkways: Um estudo das importância sociológica dos usos, costumes, modos, costumes e morais. Tradução: Ana Maria Scherer. Petrópolis: Vozes, 2011.